quarta-feira, 20 de junho de 2012

Florence Nightingale ! Seu dedicado trabalho e respeito pela vida humana deram origem aos fundamentos da enfermagem moderna em todo o planeta.

Considerada a fundadora da enfermagem moderna, a britânica Florence Nightingale (foto) revolucionou a atividade, antes relegada a um trabalho amador e sem os devidos cuidados de higiene, o que acabava por agravar o estado dos pacientes. Como voluntária de guerra, ela marcou a história a tal ponto que o dia de seu nascimento, 12 de maio, é comemorado mundialmente como o Dia da Enfermagem.
Até meados do século 19, início da imponente Era Vitoriana da Grã-Bretanha, o quadro da enfermagem não era dos mais respeitáveis. Embora algumas das cuidadoras dos pacientes nos hospitais e outras instituições de saúde fossem das mais bem intencionadas, no geral não era bem assim. Os cuidados médicos eram grosseiros, a higiene era quase inexistente, o trabalho das moças era esporádico e desqualificado, além de socialmente desvalorizado e pessimamente remunerado – quando o era. Não existiam diretrizes básicas para a execução da atividade.
Além disso tudo, a imagem que o povo tinha das enfermeiras na época não era das mais decentes: desleixadas, inclinadas ao alcoolismo, antiéticas, ladras (em relação aos bens dos doentes), quase sempre ausentes e até promíscuas – a personagem Sairey Gamp, criada por Charkles Dickens em seu célebre romance “Martin Chuzzlewit” (1844), foi elaborada como uma feroz crítica do escritor àquele tipo de “profissional” da saúde.
Foi justamente nesse ponto que Nightingale revolucionou a enfermagem. Criou um sistema de treinamento e de trabalho baseado na disciplina pessoal e profissional, dedicação, estatísticas e hierarquia, como veremos ao longo do texto.
Berço italiano
A abastada família Nightingale residia em Florença, na Itália, quando, em 1820, nasceu a pequena Florence, batizada em homenagem à bela cidade. Não tardou que voltassem à Inglaterra. As meninas do clã foram educadas, a princípio, por professoras particulares, tarefa depois realizada pelo patriarca. Prestes a fazer 20 anos, a jovem Florence implorou ao pai que lhe ensinasse matemática, matéria estimulada por ele mesmo, ao invés de aprender atividades “de mulher”, como ele pensava, como tricô ou danças. As discussões não foram poucas, mas Lord Nightingale concordou em tutorar a filha na principal das ciências exatas.
Surgiu na jovem o interesse pelos assuntos sociais, sobretudo na assistência em hospitais, e novamente a família foi contra, afinal, enfermagem, ao ver deles, não era algo “para uma moça direita”. Novamente e com muito esforço a jovem dobrou os parentes. Conseguiu estagiar em hospitais no Egito, na Alemanha e na França, até voltar a Londres e aceitar um cargo não remunerado de superintendente em um hospital para mulheres.
Na frente de batalha
Em 1854, pouco depois do início da Guerra da Crimeia (1853 a 1856), ocorrida próximo à atual Ucrânia, que envolveu, de um lado, o Império Russo e, de outro, uma coligação integrada pelo Reino Unido, a França, o Reino da Sardenha e o Império Otomano (atual Turquia), o ambiente não era dos mais promissores para civis e soldados. Os hospitais de campanha no front receberam uma dura crítica do jornal The Times, que foi cobrir o conflito (foto ao lado), e Sidney Herbert, no posto de secretário britânico para a guerra, solicitou à amiga Florence Nightingale que supervisionasse a enfermagem nos hospitais militares em solo turco. A moça chegou à frente de batalha com 38 enfermeiras, leigas, algumas voluntárias, e enfrentou a mais completa falta de condições apropriadas.
O que seria motivo para desistir fez com que Florence começasse os estudos que culminariam no advento da enfermagem moderna e seus métodos. Na Turquia, ela se defrontou com ausência total de higiene, falta de recursos (uns pelo fato de o governo não mandar e outros pela dificuldade de acesso ao front), a hostilidade dos médicos militares e dos outros oficiais, preconceitos machistas, indisciplina por parte de suas 38 comandadas e, sobretudo, o sempre crescente número de feridos e doentes.

No teatro de guerra, tornou-se famosa como “A Dama da Lanterna”, pois insistia em cuidar dos pacientes mesmo de madrugada, com a ajuda de uma lanterna turca dobrável de tecido engomado.
Florence, utilizando sua capacidade de trabalho, sua determinação, bem como sua facilidade em registrar tudo o que se passava em detalhes e pulso de liderança, usou o mais desfavorável dos cenários como balão de ensaio. As fracas condições de higiene dos hospitais aumentavam em seis vezes a probabilidade de morte dos soldados doentes e feridos. Os números aprendidos com o pai foram postos em ação, e, após muita obstinação e insistência com os homens de armas, as taxas de mortalidade caíram de 60% para praticamente incríveis 2,2%.
Com as estatísticas, usou gráficos para mostrar às autoridades os progressos, popularizando ainda mais o então recente método do gráfico em “pizza” (na foto ao lado), que hoje conhecemos . Embora não conhecesse o contágio por microorganismos, que não haviam ainda sido descobertos, já havia observado que a meticulosa limpeza das pessoas e dos ambientes contribuíam para a diminuição da proliferação de doenças e das mortes.
Embora tenha tido êxito, contraiu febre tifoide no front, sendo obrigada a voltar para a Inglaterra.
Munida dos dados coletados na guerra, Florence mostrou à rainha Vitória, ao príncipe Albert e ao primeiro-ministro Palmerston os resultados que levaram o governo a criar a Comissão Real Sobre a Saúde nas Forças Armadas. Como de hábito na história, os avanços na medicina e na tecnologia no âmbito militar se estenderam ao meio civil. A enfermeira tornou-se a primeira mulher a ser membro da Sociedade Estatística britânica.
Escola de enfermagem
Em 1860, nascia a Escola Nightingale para Enfermeiras, a primeira escola profissional do ramo no mundo. O modelo da instituição rapidamente foi disseminado pela Grã-Bretanha, pela Europa e pelo planeta. As alunas estudavam na prática, em hospitais especialmente construídos para esse fim. Fora dos horários de estudo, viviam em alojamentos da escola, seguindo a mais rigorosa ordem de comportamento. Florence criou as prescrições por escrito, e exigia que as enfermeiras acompanhassem médicos em visitas a pacientes. Segundo a professora, o propósito da enfermagem era colocar as pessoas na melhor condição possível para que a saúde se recuperasse, favorecendo o tratamento. Graças a ela, uma mal afamada atividade tornou-se uma das mais nobres.
Embora a criadora da enfermagem propriamente dita tenha dado esse importante passo, a questão da profissionalização só alcançou planos mais altos após as duas guerras mundiais do século 20. Escreveu mais de 200 obras sobre saúde para o público militar e o civil. Suas atividades inspiraram uma brasileira que viria a ser a primeira enfermeira de seu país: Ana Néri.
Florence Nightingale faleceu aos 90 anos, em 1910, tendo estabelecido as diretrizes da enfermagem moderna em praticamente todo o planeta.

"A Enfermagem é uma arte; e para realizá-la como arte, requer uma devoção tão exclusiva, um preparo tão rigoroso, como a obra de qualquer pintor ou escultor; pois o que é tratar da tela morta ou do frio mármore comparado ao tratar do corpo vivo, o templo do espírito de Deus?
É uma das artes, poder-se-ia dizer, a mais bela das artes"...
Florence Nightingale (1820-1910)
Por Marcelo Cypriano
marcelo.cypriano@arcauniversal.com

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